Ecologia Profunda

Uma Proposta de Novos Paradigmas

Escrito por G.Rathunde

4 de maio de 2020

“As crianças sim são o futuro, mas a partir da sua convivência com os adultos de hoje!” Humberto Maturana

Estamos em um momento de colapso. Isto um é fato e já passa a ser rotina notícias de crise, catástrofes e violência. Nossos poluentes estão destruindo o planeta. Nossa forma de plantar. Nossa forma de se relacionar. Um passando por cima do outro, sem nenhuma consideração com o que possa estar fazendo a mim mesmo.
Será que não podemos ser mais práticos e vermos isso tudo como uma grande oportunidade?

Somos UM!

O homem do mundo separou-se
Feito vírus age
A monocultura cultivou
Tomados por ego

Parte do planeta nós somos
Interconectados
Como células de um organismo
Juntos coo criamos

Credos, raças e cores!
Unidos pelo amor!
Tecidos feito Arco-Iris!

Diferenças nos completam
Na teia da vida
Trabalharemos com Ela,

Minha Nossa Mãe Terra!!
Guilherme Rathunde 29 de jan. De 2010

Bom, este talvez seja o maior desafio de nossa geração: unir as diferenças. Mas como isso é possível?
Quando afetamos o meio, ele nos responde como explica a lei de causa e efeito. Estamos colhendo frutos de plantações envenenadas e com valores baseados no egoísmo. Tais como expansão, competição, quantidade e dominação. Competimos uns com os outros e ainda estamos globalizando essa ideia, vendendo ela para o mundo inteiro consumi-la. Olho por olho e todos ficaremos cegos então vamos comer uns aos outros até que não sobrem humanos no planeta? Sem nossa presença a Natureza se manteria majestosa.
E não adianta mais ficar culpando governantes pela realidade. Devemos sim continuar cobrando deles porém estes valores estão em toda a sociedade, em nossa educação, nossa cultura, incrustados em nosso DNA. Por isso a mudança é interna.

A esperança está no próprio julgamento ao próximo

O amor que sentimos por alguém nos mostra aspectos que estão dentro de nós mesmos. Aquelas sensações de êxtase causadas pelo amor são apenas manifestações do amor em nosso corpo, mente e alma. Porém em estados mais elevados de consciência o amor é incondicional. Não depende nem mesmo do carinho da pessoa amada para sentir estes estados de êxtase. Isto é possível ao conectarmos com a consciência de que somos uma rede. Como Capra diz:

“Os sistemas vivos são redes autogeradoras, o que significa que o seu padrão de organização é um padrão em rede no qual cada componente contribui para a formação dos outros componentes. Essa ideia pode ser aplicada ao domínio social, desde que as redes vivas de que estamos falando sejam identificadas como redes de comunicações.”¹

 

E assim sendo, somos parte de um todo, imagem e semelhança. Somos espelhos. Quando julgamos a alguém, julgamos a nós mesmos de alguma forma e quando vivermos conscientes disto entramos num processo de autoconhecimento profundo e infinito. Ao apontar para alguém haverá três dedos apontando a si mesmo então em vez de confrontar o desconforto trabalhe em si o que estás vendo. Aposto que isto lhe incomoda pois está relacionado com seu passado? Por isso o autoconhecimento é utópico a não ser no presente momento pois somos seres biológicos em transformação constante. Eu não sou, eu estou. O planeta não é, ele está. Calos Veiga diz:

Se você insistir em algo cujo reflexo lhe parece errado, de alguma maneira você estará rejeitando uma parte de você mesmo que está pedindo para ser reconhecida.
Amar a si mesma é aceitar tudo que está ocorrendo, independente de ser o que você quer, ou não.”²

Nicho Ecológico do Homem

E então, o que escolheremos como sendo os animais “neurônios” da Terra? Continuaremos como vírus, exterminando nosso grande organismo? Comendo até mesmo uns aos outros por egocentrismo? Ou está na hora de usar dos julgamentos aos próximos para nos aperfeiçoar, darmos as mãos, juntarmos nossas diferenças e nos unirmos por um grande propósito comum? Compartilhar da aventura fantástica que é a vida, quando nos entregamos de coração a ela.

Tudo é conectado!

Isto sabemos.
Todas as coisas estão ligadas
como sangue
que une uma família…
Tudo o que acontece com a Terra,
acontece com os filhos e filhas da Terra.
O homem não tece a teia da vida;
ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia,
ele faz a si mesmo.
(Ted Perry, inspirado no Chefe Seattle)

Em um estudo feito pela ONU e líderes das principais ecovilas do mundo, uma das características comum as que conseguiam se manter a longo prazo é a ideia de um propósito comum. Comumente chamado de “cola” se define em algo que una as pessoas da vila, um propósito maior. Pode ser religioso, ecológico ou social. E mesmo ecovilas com a mesma cola, por exemplo a bíblia ou a permacultura, vão ter funcionamentos distintos. As realidades são muito locais e devem ser tratas como tal. Isto é o que falta para a humanidade. Algo que nos una como espécie e nos conecte além de aspectos ambientais, espirituais, econômicos ou sociais. Em minha opinião, a cola do amor incondicional compartilhando a vida e buscando a auto-realização pessoal e a qualidade de vida é a mais profunda e pode ser estendida a toda humanidade. Esse é um dos meus propósitos de vida. Influenciar a vontade de ai chegar. Estamos em constante aprendizado, basta decidirmos que caminho tomar. Do amor, ou continuarmos no medo.

Este imenso organismo onde moramos, o planeta, a biosfera, é como um tecido onde cada elemento, vivo ou não vivo, interage com o todo. Como os fios de um tecido. Cada fio tem o seu papel e formam desenhos juntos. Se um fio muda sozinho de lugar, o desenho perde seu padrão. Da mesma forma quando um tecelão deixa escapar um fio ao tecer um tecido. Então cada elemento da Natureza relaciona-se com o todo e tem o seu papel neste todo. O todo não é apenas a soma dos elementos, mas também as relações entre eles fazem parte do todo.

O Desiquilíbrio autoafirmativo

As ideias de separação vieram de pensamentos principalmente do século XVII. Decartes criou o pensamento analítico, onde se separa as partes para estudar-se o todo. A metáfora, dominante na era moderna, que se criou nessa época é de que o mundo é uma máquina. Embora a abordagem cartesiana tenha contribuído para importantes descobertas e conquistas à ciência, também nos induziu a erros, principalmente em decorrência do seu exagero. Assim começamos a estudar somente os fenômenos que podiam ser medidos e quantificados. Continuamos com essa ideia até hoje, e estamos começando a pagar um preço caro¹. Como afirma o psiquiatra R.D. Laing:

O programa de Galileu oferece-nos um mundo morto: extinguem-se a visão, o som, o sabor, o tato e o olfato, e junto com eles vão-se também as sensibilidades estética e ética, os valores, a qualidade, a alma, a consciência, o espírito. A experiência como tal é expulsa do domínio do discurso científico. É improvável que algo tenha mudado mais o mundo nos últimos quatrocentos anos do que o audacioso programa de Galileu. Tivemos de destruir o mundo em teoria antes que pudéssemos destruí-lo na prática.

Segundo Capra, os sistemas vivos possuem aspectos essenciais baseados em duas tendências: a de autoafirmação e a de integração. Nenhuma é boa ou ruim, mas o que é saudável é estarem em dinâmico. A ideia de pensamento analítico trouxe, não só para a ciência, mas como para a sociedade, ênfase à tendência de autoafirmação, causando desequilíbrio. Isto é evidente tanto em nosso pensamento como nos nossos valores e é intrusivo colocar essas tendências opostas lado a lado.

Pensamento

Autoafirmativo

Integrativo

Racional

Intuitivo

Análise

Síntese

Reducionista

Holístico

Linear

Não-linear

Valores

Autoafirmativo

Integrativo

Expansão

Conservação

Competição

Cooperação

Quantidade

Qualidade

Dominação

Parceria

Olhares mais Profundos

A ecologia profunda é uma visão holística de mundo que une pensamento, espiritualidade e ação. Trata de como transcender-nos este individualismo da cultura ocidental e passarmos a vermos como parte da Terra, o que nos leva a uma conexão mais profunda com a vida, donde a ecologia profunda não é algo que passa “ali afora”, se não algo do qual fazemos parte então experimentando a nós mesmos como parte da terra viva e encontrando nosso papel no cuidado a ela assim passando a ter uma relação de participante que se sente conectado com e parte do mundo que o rodeia. Isto é uma experiência possível para todos cada um motivado por seus valores, experiências e sentimentos podendo fazer algo pelo bem do mundo ao qual pertencemos.

O termo “ecologia profunda” foi usado pela primeira vez pelo filósofo e ativista Arne Naess no principio dos anos 70 ao enfatizar a necessidade de transcender as respostas superficiais aos problemas ecológicos e sociais que enfrentamos. Sua proposta era para que comecemos a fazer “perguntas e buscas mais profundas”, observando o “para que e como” a forma como vivemos e identificando como isto encaixa em nossas crenças, necessidades e valores mais profundos. “Como posso viver de uma maneira que esteja bem para mim, aos demais e ao planeta”. Simples perguntas como esta nos ajuda a fazer mudanças profundas na forma como vivemos.
Ecologia profunda também pode interpretar como parte de um processo mais amplo de questionar os supostos fundamentos da sociedade de crescimento industrial, permitindo-nos uma nova maneira de ver a ciência, política, saúde, educação, espiritualidade, e muitas outras áreas. Esta nova maneira de ver o mundo tem a enfatizar as relações entre diferentes áreas, conectando a mudança pessoal e social, ciência e espiritualidade, economia e ecologia. Ao fazer isto desafia nós mesmos desde a perspectiva de sentirmos separados como indivíduos para entendermos cada vez mais como parte de um todo e parte da terra. Isto pode incrementar nosso sentido de pertencer à vida e então nos impulsionar para atuar na criação de sistemas vivos.⁴
No contexto de distintas tradições espirituais – cristianismo, budismo, taoismo, xamanismo, por exemplo – são muitas as pessoas que tem levantado estas questões em profundidade e tem cultivado a consciência ecológica. Se estas tradições diferem em muitos aspectos, todas elas coincidem no entanto, respeitando aos princípios fundamentais da ecologia profunda.
Segundo o filosofo australiano Warwick Fox, a intuição central da ecologia profunda:

“é a ideia de que não podemos estabelecer nenhuma divisão ontológica definitiva no campo da existência. Na realidade não existe nenhuma diferença radical entre domino humano e o domínio no humano… enquanto sigamos percebendo este tipo de fronteiras não alcançaremos a compreender o que é consciência ecológica profunda”.⁴

Ele reconhece o valor intrínseco de todos os seres e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da teia da vida. A concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade, com o cosmos, com o todo. Assim fica claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda.¹
Assim a norma de autorrealização proposta pela ecologia profunda está relacionada com as grandes tradições espirituais da maior parte do mundo e transcende a noção ocidental moderna que define o ser como um ego isolado cujo impulso primário é de salvação individual nesta vida. Mas questiona todo esse paradigma com base ecológica, a partir da perceptiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da qual somos partes.¹̛ ⁴

Transição de Paradigmas

Por tanto, há dois paradigmas (conjunto de ideias, atitudes e valores que gravitam por volta de princípios) hoje em nossa sociedade:

O Velho

Analítico, o qual só acredita no que pode ser provado, decaindo, ruído e falido. Com poder centralizado nas instituições e estrutura social baseado em hierarquias. O mais forte controla e sente-se ameaçado pelo mais fraco, que almeja ser mais forte. As pessoas assim buscam a felicidade no externo (marido/esposa, emprego, bens, etc.). Possui pensamento linear. Uma simples relação causa-efeito sem levar em consideração todas as complexidades do contexto econômico, social e ecológico dentro do qual cada ação está inserida.⁴ Com valores e pensamentos portanto desequilibrados à autoafirmação.

O Novo Paradigma

Emerge entre a ciência, espiritualidade e culturas. Com o poder descentralizado e circular. Baseado nas funções e nas relações de confiança mútua, instigando a cooperação e soma das diferenças. Reconhece a contribuição única de cada indivíduo baseado no empoderamento e responsabilidade pessoal. Tendo a felicidade empírica à realização pessoal e qualidade de vida. Buscando equilíbrio entre pensamentos e valores autoafirmativos e integrativos. Pensando globalmente e agindo localmente, reconhecendo a interligação e que cada ação resulta numa complexidade multidimensional de consequências.

Fotos por Belisa Rathunde

Tiradas em Manaus, Iquitos (Peru) e Vale do Gamarra MG.

 

Referencias

1. CAPRA, FRITJOF CAPRA. A teia da Vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. 14 São Paulo: Pensamento, 2008.
2. VEIGA, CARLOS. Sua realidade é um reflexo de você mesma. Disponível em: <http://carlosveigajr.com.br/sua-realidade-e-um-reflexo-de-voce-mesma> Acesso em: 22 04 2020.
3. LAING, R. D. The voice of expirence. Nova York: Princeton, 1982.
4. Hieronimi y Marina Ortiz. Tierramor. Disponível em: <http://www.tierramor.org/EcologiaProfunda/EcoProfunda.html> Acesso em: 27 09 2010.
5. BROWN, LESTER R. Building a sustainable society. Norton: Nova York, 1981

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